22 de julho de 2009

AMOR A SI MESMO, PRECONDIÇÃO PARA AMAR O PRÓXIMO

Crescemos ouvindo de todos - pais, mestres, religiosos - que não devemos ser egoístas, querendo, com isso, passar a ideia de que gostar muito de nós mesmos é (ou seria) prejudicial e indesejável. As religiões, quase todas, têm como máxima e esteio fundamental do comportamento o amor ao próximo. O cristianismo, repetindo com outras palavras o que já nos ensinaram Confúcio e Buda, nos manda amar ao próximo tanto quanto a nós mesmos.
Há, nas colocações acima, o equívoco de confundir o amor a si mesmo com o egoísmo. São, na verdade, pólos opostos de um mesmo fenômeno, guardando o egoísmo uma relação inversa com o apreço que se tenha por si mesmo, como se fossem imagens num espelho.
O comportamento egoísta tem muito, mas muito mesmo, a ver com uma torturante sensação de insegurança e fragilidade interior. Somente aqueles interiormente fortes conseguem, de fato, ser gentis e desprendido. O egoísmo relaciona-se diretamente com a imaturidade emocional, assemelhando-se ao comportamento da criancinha, que vê e sente o mundo como que girando a seu redor e existindo para e em função dela.
Nos primeiros anos de vida, somos extremamente dependentes dos outros para sobreviver. A sensação de que nossa sobrevivência depende do meio externo nos confere uma insegurança que exigirá, para nosso equilíbrio e bem-estar, um constante reasseguramento de que os outros e o mundo estão à nossa disposição e sobre eles podemos ter controle. Ou seja, o comportamento egoísta que todos apresentamos enquanto crianças pequenas faz parte do processo normal de crescimento e amadurecimento do ser humano.
À medida que vamos crescendo, amadurecendo, nos fortalecendo e criando uma bos imagem de nós mesmos, menos importante será para nós o reforço exterior e, por conseguinte, maior será a nossa independência da opinião e da influência das outras pessoas. Estaremos nos aproximando, assim, do "*espírito livre" de que nos falava Nietzsche. É esse processo de libertação que constitui, de fato, nosso crescimento como ser humano e configura, a rigor, o sentido da trajetória da nossa existência.
Os que atingem esse patamar de crescimento ou dele se aproximam passam a extrair ganuíno prazer do amor que transmitem às outras pessoas e, sem ter premeditado, passam a vivenciar um doce ciclo vicioso onde, quanto mais se amam e amam os outros, mais amor recebem de volta e mais ainda ficam amando a si e aos outros...
Esse amor por si próprio é, essencialmente, reflexo de nosssa auto-estima, ou da imagem que construímos de nós mesmos. Um nível adequado e desejável de auto-estima implica respeito e admiração por si próprio e não pode confundir-se com narcisismo. Este é o primo-irmão do egoísmo e resulta da mesma causa básica: a fragilidade interior e o desapego a si mesmo são tão grandes que o indivíduo sente uma compulsiva necessidade do reconhecimento externo. Os narcisistas, tanto quanto os egoístas, não são pessoas livres e dificilmente serão felizes, dependentes que são, vitalmente, do conceito que os outros fazem deles.
  • Inveja, talvez, o mais destrutivo de todos os subprodutos da insegurança interior e do desapego por si mesma. Essa inveja nociva e destrutiva não é o natural desejo, que vez por outra assalta qualquer um de nós, de ter ou ser o que alguém, próximo ou distante, tem ou é. A inveja a que me refiro é aquela amarga sensação de desconforto e sofrimento que invade o indivíduo quando confrontado com o sucesso alheio, ou com o que de bom possa estar ocorrendo com outra pessoa...
Com todo o arrazoado acima, espero tê-lo convencido, caro leitor, de que gostar de si mesmo não é defeito: é qualidade e não tem nada a ver com o egoísmo, o narcisismo e o não gostar dos outros. Muito pelo contrário. É justamente a impossibilidade de amar a nós mesmos que nos torna incapazes, na mesma proporção, de amar os outros.
(Dr. Marco Aurélio Dias da Silva. Quem Ama não Adoece, pp. 273-280)

*É chamado de espírito livre aquele que pensa de modo diverso do que se esperaria com base em sua procedência, seu meio, sua posição e função ou com base nas opiniões que predominam em seu tempo. Ele é a excessão, os espíritos cativos, a regra; (F. Nietzsche. Humano Demasiado Humano).

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